Estou cansado
Estou cansado, é claro
Porque, a certa altura, a gente tem de estar cansado
De que estou cansado, não sei
De nada me serviria sabê-lo
Pois o cansaço fica na mesma
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu
Sim, estou cansado
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo, uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa